A carteira de trabalho em seus moldes tradicionais – uma caderneta em papel, com a capa azul, símbolo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – será extinta até 2020, segundo projeto em curso no governo do presidente Michel Temer. A cúpula do Ministério do Trabalho atua para que, nos próximos dois anos, a carteira deixe de existir em meio físico para todo trabalhador e seja digitalizada, a partir da inserção de dados num sistema chamado eSocial.
A carteira de trabalho é historicamente gratuita, desde a vigência da CLT, a partir da década de 40, mas sua emissão começará a ser cobrada.
Um preço inicial em análise é de 15 reais. Ministério do Trabalho e Correios firmaram um acordo de cooperação técnica por meio do qual a emissão da carteira passaria a ser feita pelos Correios, que cobrariam uma taxa pelo serviço prestado. A intenção de cobrar pelo documento ocorre num momento em que o desemprego é realidade para 13 milhões de brasileiros e em que falta trabalho para outros 14 milhões.
A gestão do atual ministro do Trabalho, Caio Vieira de Mello, trabalha com a perspectiva de desaparecimento da carteira de trabalho em meio físico. A ideia é que a vida laboral de empregados seja inserida num banco de dados virtual, mais especificamente no Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas (eSocial).
O eSocial foi criado com o propósito de unificar dados e desburocratizar a rotina das empresas. Em janeiro deste ano, empresas com faturamento anual superior a R$ 78 milhões passaram a aderir ao sistema, com a sincronização de dados contábeis dos trabalhadores.
RESISTÊNCIAS AO PROJETO
O projeto enfrenta resistências dentro do ministério, em razão do simbolismo da carteira de trabalho com a capa azul. Resistência semelhante ocorre em relação à intenção de cobrança para emissão do documento. Neste caso, há impeditivos de ordem legal.
Dois pareceres técnicos elaborados no Ministério do Trabalho são contrários à cobrança. As notas foram elaboradas após o ministro Caio Mello; o secretário-executivo, Admilson Moreira; e o presidente dos Correios, Carlos Fortner, firmarem o acordo de cooperação técnica, no fim de julho.
Primeiro, a área responsável pelas carteiras no ministério se manifestou contra, com a argumentação de que a gratuidade da carteira está prevista em lei, inclusive na CLT. Depois, diante da pressão do ministro e do secretário-executivo, um novo parecer foi elaborado, com o mesmo teor, desta vez subscrito por três áreas relacionadas a emprego no ministério.
A proposta foi encaminhada para a Consultoria Jurídica da pasta. A análise inicial da área jurídica aponta para uma vedação legal da cobrança, mas ainda não há decisão a respeito. O preço da emissão do documento é chamado pelos defensores da ideia de “taxa de comodidade”. Numa primeira análise, a cúpula do ministério vem entendendo que pode ser necessário um projeto de lei – ou uma medida provisória – para modificar as regras vigentes.
A pasta trabalhava com a ideia de colocar em prática um projeto piloto de emissão e cobrança pelos Correios já neste mês, em São Paulo. Isto foi descartado diante dos impeditivos legais e da resistência interna no ministério.
O acordo de cooperação deixa expresso que os Correios podem cobrar pelo serviço, inclusive com reajustes anuais, ao longo dos cinco anos da parceria prevista. Além disso, o acordo não traz nenhuma especificação sobre a continuidade do atual modelo gratuito de emissão de carteiras.
O país tem 2,5 mil postos para emissão de carteira – cerca de 400 unidades fabricam o documento. Para tentar emplacar a ideia de transferir a missão aos Correios, com cobrança pela emissão, a cúpula da pasta argumenta que deixou claro aos Correios que o atual sistema continuaria em paralelo. Caberia ao trabalhador optar por enfrentar uma fila, por exemplo, ou pagar pelo serviço, segundo esses integrantes do ministério.
MINISTÉRIO DIZ QUE VAI ARCAR COM CUSTOS
Em nota divulgada no começo da tarde desta terça, o Ministério do Trabalho afirma que a pasta decidiu arcar com os custos relacionados à expedição da carteira de trabalho, “por determinação do ministro Caio Vieira de Mello”. A nota chama esses custos de “taxa de conveniência pela entrega do documento expedido pelos Correios”. “O custo do serviço ainda está sendo avaliado”, diz a nota.
A decisão do ministro contradiz o que foi expresso no acordo de cooperação técnica firmado no fim de julho. Pelo texto, as partes não farão transferência de recursos financeiros entre elas. Além disso, como consta no acordo, o valor do serviço será custeado pelos interessados na carteira. Dois pareceres de áreas técnicas, elaborados após a costura do acordo, foram contrários à cobrança.
“A emissão da carteira de trabalho sempre foi e continuará a ser feita sem qualquer custo para o trabalhador, assim como a expedição do documento seguirá ocorrendo em toda a rede de atendimento do Ministério do Trabalho (postos do Sine, gerências regionais e superintendências do Trabalho nos estados)”, diz a nota da pasta. O acordo costurado com os Correios não deixa expresso o funcionamento em paralelo dos dois serviços.