O ministro da Justiça, Sérgio Moro, afirmou, nesta quinta-feira (21), que o governo “toma posição firme não só contra a corrupção, mas também contra o caixa 2” (dinheiro de campanha não contabilizado oficialmente), e que as críticas sobre o fatiamento do projeto anticrime, separando o pacote de projetos já apresentado e a criminalização do caixa 2, são “fruto de incompreensão”.
A declaração foi feita em Paris, onde Moro participa, até sexta-feira (22), de reunião do Gafi, o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo. Nesta quinta, ele voltou a falar sobre a motivação política para a separação das propostas.
“As críticas, no que se refere a este ponto, são fruto de incompreensão. Na verdade, o governo toma posição firme não só contra a corrupção, mas contra o caixa 2. A única questão foi que houve esta solicitação por parte do mundo político e nós apresentamos em separado. Isso não significa nada”, disse Sérgio Moro.
“O ponto que importa é o governo trabalhando para aprovar medidas fortes, eficazes contra a corrupção, crime organizado e crime violento. E entre essas medidas se encontra uma criminalização mais adequada do caixa 2. Essa é a história verdadeira, o resto é conversa”, disse ele.
O ministro explicou que o projeto do governo vai aperfeiçoar a tipificação do crime de caixa 2. “Existe, hoje, o crime de corrupção, que está no 317-33 do Código Penal, e existe o caixa 2, que está mal tipificado no 350 do Código Eleitoral. O que nós estamos fazendo é aperfeiçoando a tipificação do crime de caixa 2. Isso não afeta em nada a corrupção”, afirmou.
“Quando o dinheiro é recebido em contrapartida, configura-se corrupção. (…) Ele [o projeto] melhora o quadro institucional e o quadro normativo contra a corrupção e contra o caixa 2, isso é inequívoco.”
Entenda o projeto anticrime
Divulgado ao público em 4 de fevereiro, o projeto anticrime do governo Bolsonaro prevê alterações em 14 leis, como o Código Penal, o Código de Processo Penal, a Lei de Execução Penal, a Lei de Crimes Hediondos e o Código Eleitoral.
Na época do anúncio, o projeto englobava um só pacote de medidas. Porém, quando foi apresentado ao Congresso Nacional, na terça-feira (19), ele foi dividido em três partes:
- Projeto de lei complementar que altera regras de competência da Justiça Eleitoral
- Projeto de lei ordinária para criminalizar o caixa 2
- Projeto com as demais medidas, entre as quais: permissão de execução das condenações criminais em segunda instância, execução das condenações criminais em primeira instância do tribunal do júri, utilização de agentes policiais disfarçados, e uma política mais dura em relação à criminalidade grave
Reclamações de políticos
No dia da apresentação, Moro explicou, em entrevista à Rádio CBN, que o governo optou pelo fatiamento das propostas diante de “reclamações razoáveis” de políticos que se sentiriam “incomodados” com a tramitação da criminalização do caixa 2 junto com endurecimento da legislação contra o crime organizado e a corrupção.
“De outro lado, vieram reclamações que o caixa 2, embora seja crime grave, havia alguns políticos que se sentiram incomodados de isso ser tratado juntamente com crime organizado”, afirmou Moro. “Vamos colocar separado, mas isso vai ser enviado junto ao Congresso. O governo está ouvindo os parlamentares e está atendendo o que são reclamações razoáveis.”
Nesta quinta, apesar de ter voltado a dizer que o fatiamento do pacote atende a solicitações de políticos, ele não citou nenhum parlamentar especificamente. “São, vamos dizer assim, diversas solicitações. Normalmente não existe uma voz específica em torno dessa solicitação”, respondeu Moro.
‘Má interpretação da imprensa’
O ex-juiz e agora ministro também falou sobre comparações feitas entre declarações suas atuais e da época em que esteve à frente da Operação Lava-Jato sobre o caixa 2. Segundo ele, houve uma “má interpretação da imprensa” sobre o que ele disse no passado.
“O que eu disse no passado, no caso da Lava-Jato nós tínhamos crimes de corrupção. Crime de corrupção às vezes envolvia o quê? Dinheiro indo ao agente público para enriquecer ilicitamente, e às vezes o crime de corrupção gerava dinheiro que gerava financiamento ilegal de eleições. O que disse naquela época é que a corrupção, quando o dinheiro da propina é dirigida a financiamento ilegal de eleições, é pior do que a [corrupção] do enriquecimento ilícito. O caixa 2 não é corrupção, o caixa 2 é outro crime”, afirmou o ministro.
“Na corrupção sempre há uma contrapartida. Você recebe uma vantagem em dinheiro em troca de uma contrapartida ilegal por parte do agente público. O caixa 2 é você receber o dinheiro, ou melhor, utilizar recursos não contabilizados para fins de eleições. Eu sempre falei que ambos eram graves, não há nenhuma dúvida quanto a isso”, continuou Moro.
Candidatas ‘laranja’
Em relação às denúncias de “laranjas” no financiamento de campanha do PSL, partido de governo, que envolvem o ex-secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, e o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, Moro disse que o Ministério da Justiça, agora sob sua tutela, não trabalha em casos concretos.
“Eu já esclareci qual é o papel do Ministério da Justiça. O papel do Ministério da Justiça não é trabalhar em casos concretos, como um supertira ou um superjuiz, nem advogar para membros do governo. O papel do Ministério da Justiça é dar estrutura para os órgãos de controle e os órgãos de investigação fazerem o seu trabalho. O que eles estão fazendo.”
Sigilo de informações
Já sobre o decreto que aumentava as condições para colocar informações governamentais sob sigilo, que foi derrubado no Congresso nesta semana, Moro afirmou que a derrota é “algo absolutamente normal”, e que essa é uma questão superada. “Não interessa se eu era a favor ou contra.”
Criminalização de movimentos sociais
Ao ser perguntado sobre a possibilidade de o pacote anticrime abrir brecha para criminalizar movimentos sociais, o ministro da Justiça negou. “Posso assegurar 100% [que os movimentos sociais não serão criminalizados]. É um receio absolutamente infundado, estamos falando de grupos terroristas assim considerados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas”, respondeu ele.
“Não existe nenhuma margem de possibilidade de algum movimento social ser considerado como tal pela Nações Unidas. Estamos falando na verdade de organizações terroristas como Estado Islâmico, al-Qaida, esse é o alvo da nova legislação.”
Brasil no Gafi
Apesar de não ser uma reunião de nível ministerial, Sérgio Moro decidiu aceitar o convite do presidente do Gafi, o americano Marshall Billingslea, quando esteve em visita ao Brasil em janeiro, para viajar a Paris e acompanhar o encontro. Na França, o ministro também teve um conversa de uma hora com o secretário-geral da OCDE, Angél Gurría.
Moro também disse que “o Brasil estava ameaçado de ser suspenso da condição de membro do Gafi” por não aprovar uma lei para congelar ativos de organizações que a ONU considera terroristas. Segundo ele, a Câmara e o Senado aprovaram a lei neste mês, e ela “deve ser sancionada nos próximos dias”.
G1