onsertar o carro após uma enchente pode não sair tão caro
Com a chegada do verão e de temperaturas mais altas, chegam também as enxurradas típicas dessa época do ano, geralmente repentinas e com alto volume de pluviometria, quase sempre em poucos minutos. Dependendo da região, o motorista pode ser surpreendido por uma enchente e ficar ilhado.
Aí surge o dilema: passar ou não pelo alagamento?
É uma decisão difícil para o motorista, pois não se trata apenas de tentar evitar danos ao carro, mas de arriscar a própria segurança e a dos passageiros. Nesses casos, as dicas de especialistas, como as do Cesvi Brasil (Centro de Segurança Viária), seguem o mesmo roteiro:
+ Não passar se a água estiver acima da metade das rodas;
+ Usar pontos de referência, como outros veículos, para avaliar o nível do aguaceiro durante o trajeto;
+ Se for encarar a travessia, manter o carro em primeira ou segunda marcha, sem mudar de marcha e com aceleração constante, em baixa velocidade, entre 2.500 e 3.000 rpm, para o motor não “morrer”;
+ Evitar atravessar ao lado de outros veículos, sobretudo de maior porte, para que o deslocamento da água não movimente seu carro;
+ Se o motor desligar, não acioná-lo enquanto a água estiver sobre as rodas.
“Ao encarar um alagamento e não passar, busque um lugar mais elevado e seguro, desligue o motor, não tente ligá-lo novamente e acione imediatamente o serviço de socorro, de preferência para levar o veículo diretamente a uma oficina especializada de conserto de carros alagados”, recomenda Edilson de Bellis, proprietário da oficina Dinastia, que atua na área há cerca de dez anos.
Se a água entrou no carro, avisa o especialista, o ideal é providenciar uma revisão, com secagem do veículo e verificação de componentes que podem ter sido danificados, no prazo mais curto possível. “Isso evita o surgimento de mofo e previne a corrosão de peças, em especial as da parte elétrica. São cuidados que podem reduzir os danos e o prejuízo com oficina”, alerta.
Cada caso deve ser avaliado individualmente, mas os estragos em geral estão diretamente relacionados à quantidade de água que entrou no carro. Se o nível chegou até antes da altura dos assentos, os danos costumam ser menores — com sorte, restritos às forrações, espumas e tapeçaria. Mas se o líquido tiver chegado à altura do painel, as chances de haver danos em itens elétricos e eletrônicos são grandes. São os mais caros de consertar ou substituir, sem contar o motor e componentes mecânicos.
“Se a água tiver atingido apenas a tapeçaria, um bom lava-rápido especializado pode resolver o problema”, explica de Bellis. Segundo ele, citando valores aproximados, o conserto de um carro alagado começa em cerca de R$ 600 para um compacto, mas pode ultrapassar R$ 20 mil em modelos maiores e mais danificados.
O serviço pode levar de uma semana a dez dias, nos casos mais simples, e mais de 30 dias em situações extremas. Segundo Bellis, se for bem executado, o carro é totalmente recuperado e não dá para perceber que passou por uma reestruturação por ter ficado submerso. A opinião é compartilhada com Francisco Satkunas, conselheiro da SAE Brasil, associação de engenheiros automotivos. “Um bom trabalho deixará o veículo novo. Mesmo que o carro tenha passado por uma enchente, se tiver recebido uma recuperação profissional, não sofrerá desvalorização” salienta Satkunas.
O processo de recuperação começa pela desmontagem dos carpetes, tapeçarias, borrachas, forrações, painéis de portas, bancos e espumas, além de módulos eletrônicos, chicotes etc. Tudo é seco e limpo com detergente e um produto bactericida, aplicado com vaporizador, a fim de tirar o mau cheiro e contaminações. O processo também é aplicado aos dutos de ventilação, em especial se houver ar-condicionado, com substituição de filtros e avaliação do estado do compressor. Após ser retirada, a espuma dos bancos é levada para uma estufa para secagem. Faróis e lanternas também devem ser desmontados, para remoção de lama e outros tipos de sujeira — se houver danos, eles são substituídos.
Na segunda etapa é feita checagem e secagem da fiação elétrica, incluindo conectores, interruptores (como os botões dos vidros elétricos), circuitos e dos módulos de controle eletrônico — aqueles que ficam expostos às intempéries, como a central de controle do motor, têm vedação contra a umidade e são mais resistentes a danos.
Mas, de acordo com Edilson de Bellis, há outros módulos, posicionados na cabine, mais suscetíveis a estragos, como o dos airbags, que em muitos modelos ficam na altura do assoalho, e de chassi, que controlam equipamentos como travas e vidros elétricos.
“Água no painel é o pior dos cenários. O líquido pode danificar itens caros, como módulos, circuitos, computador de bordo, mostradores digitais e até a operação do ar-condicionado, especialmente quando este for digital. Em muitos casos, após limpeza e secagem, dá para recuperar, mas o reparo deve ser feito o mais rapidamente possível” explica.
Quanto ao motor e câmbio, o processo é semelhante: óleos, fluidos são drenados e substituídos juntamente com os respectivos filtros, além da verificação de chicotes e outros componentes — o motor só é religado com tudo seco e em ordem. O principal problema é o famoso calço hidráulico (quando entra água no duto de admissão), que impede o curso total de um ou mais pistões, causando danos graves neles mesmos, no virabrequim, bielas e até no bloco. Por isso é tão importante não deixar o motor apagar em alagamentos — mais que isso, não tentar ligá-lo com o veículo ainda molhado. Se a água tiver entrado pelo escapamento, esse sistema também deverá ser limpo e passar por secagem.
E o seguro?
Segundo Bellis, as seguradoras não costumam complicar na liberação da cobertura para casos em que o veículo passou por enchente, mas há casos em que elas determinam perda total — normalmente, quando avaliam que o custo para o reparo ultrapassa cerca de 75% do valor do veículo. Mesmo assim, dá para recuperar o automóvel. “Todo o veículo é recuperável, mas tem de avaliar primeiro o custo-benefício. Tive um cliente que teve o carro alagado e a seguradora deu ‘PT’, mas como o automóvel era financiado, o proprietário perderia dinheiro. Fiz um orçamento de cerca de 1/5 do valor do veículo, o cliente negociou com a seguradora e conseguiu a liberação necessária para fazer o conserto, em um valor mais baixo que aquele orçado pela própria seguradora, que autorizou o serviço por conta e risco do proprietário. O carro ficou perfeito”, revela.
Como reconhecer um usado inundado?
Se o serviço de recuperação for mal feito, haverá sinais identificáveis. “A dica é olhar com atenção à parte inferior das borrachas das portas e erguer um pouco uma ponta delas. Vestígios de pó de barro marrom enrustido entre a borracha e a soleira podem indicar que o veículo passou por alagamento e as borrachas não foram retiradas e/ou substituídas. Por outro lado, é identificar algo estranho pelo cheiro, já que os desodorantes automotivos atuais mascaram qualquer vestígio”, alerta Satkunas.
Só que carro alagado também pode ser uma boa oportunidade de negócio. “Uma alternativa viável é comprar um carro após a enchente, pois certamente o dono estará desanimado e para ‘se livrar’ da dor de cabeça poderá dar um bom desconto, de modo a cobrir a despesa de recuperação e ainda sobrar algum troco”, finaliza o conselheiro da SAE Brasil.
uol