Conhecido como um guerrilheiro polêmico que se envolveu em batalhas sangrentas para instaurar um regime político que dura até hoje em Cuba, Ernesto “Che” Guevara morreu há exatos 51 anos — no dia 9 de outubro de 1967. Sua memória, entretanto, continua viva para muito além dos limites da América Latina.
“O que permanece de Che Guevara é a ideia ou a imagem de sua figura mítica, do herói desprendido que sai pelo mundo para fazer revoluções libertadoras, se sacrifica e morre pelo que acredita”, pondera Aldo Fornazieri, professor da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
Nascido Ernesto Guevara de la Serna, Che era argentino — e não cubano, diferentemente do que muitos pensam. Sua família era de classe média e ele estava prestes a se graduar em medicina na década de 1950 quando decidiu viajar pela América Latina.
Em suas andanças por países como Argentina, Chile e Peru, Che Guevara — que sonhava atender a população pobre como médico —, convenceu-se de que a melhor forma de combater a pobreza seria lutando contra os líderes responsáveis pela desigualdade. “Seu lema era ‘endurecer-se sem perder a ternura’”, conforme lembra Igor Fuser, professor de Relações Internacionais na Universidade Federal do ABC paulista.
A primeira atuação de Che Guevara como revolucionário se deu na Guatemala — onde, em 1954, o presidente reformista Jacobo Arbenz Guzman foi deposto pela CIA (agência de inteligência civil dos Estados Unidos). Che se firmou ali como oposicionista dos EUA e participou de grupos de combate ao governo que havia se instalado.
Igor Fuser aponta, entretanto, que Guevara nunca foi um “antiamericano”: “Ele sabia perfeitamente separar o povo dos Estados Unidos, que também é oprimido pelo sistema capitalista, das suas classes dominantes”, diz.
Já no México, Che Guevara conheceu Fidel Castro e seu irmão Raúl e então partiu para Cuba — onde fez parte da guerrilha que iniciou a Revolução Cubana e derrubou o ditador Fulgencio Batista.
A trajetória do revolucionário nos países onde lutou é objeto de controvérsia mesmo entre os especialistas: “Certamente, Guevara praticou a violência como método de transformação política revolucionária e de conquista do poder. Quando se trata de violência, é preciso perceber que ela sempre existiu ao longo da história nas lutas políticas. Não se trata de justificá-la, mas de compreender os seus contextos”, lembra Aldo Fornazieri.
Fuser, por outro lado, avalia que a memória de Che Guevara é caluniada e seu nome não está associado a massacres e genocídios: “Ele jamais torturou um prisioneiro, ao contrário dos militares brasileiros no período da ditadura. Participou, como um dos principais líderes da Revolução Cubana, do julgamento dos responsáveis pela repressão política durante o mandato de Fulgencio Batista. Esses processos judiciais ocorreram de forma pública, com amplo direito de defesa”.
Che ocupou cargos no governo cubano e, na década de 1960, passou a organizar células revolucionárias em diversos países. Esteve até no Congo, onde guerrilheiros tentaram derrubar a ditadura de Joseph Mobutu. Em 1967, foi capturado na Bolívia e executado com um tiro de fuzil.
Para Fuser, após 51 anos da morte do líder, sua influência “continua presente em todos movimentos políticos que, na América Latina e em outras partes do mundo, são movidos por um espírito de rebeldia contra uma ordem social injusta”.
Aldo Fornazieri completa que, politicamente, Che Guevara ainda é uma força histórica e política em Cuba. “Em relação às lideranças, penso que ele está presente mais como alguém a ser admirado do que a ser seguido. O presidente boliviano Evo Morales o admira muito. Mesmo aqui no Brasil, era admirado por uma figura controversa como Jânio Quadros — que, quando presidente, o condecorou.”
Além disso, Che também vive em milhares de reproduções de seu rosto, que se tornou um símbolo de rebeldia estampando camisetas, pôsteres e construções mundo afora. “Mesmo que desconheçam a Revolução Cubana e as guerrilhas latino-americanas, as pessoas entendem que Che Guevara foi um jovem que abriu mão de uma rotina confortável para lutar por um mundo mais justo”, explica Igor Fuser.
Aldo Fornazieri completa: “Muitos líderes que assumem uma dimensão heroica terminam sendo objeto de comércio. Isto acontece com Jesus, com Che, com Martin Luther King e com outros em maior ou menor grau. Mas, em termos políticos, Guevara certamente alcançou uma posição mundial inigualável”. Na imagem, é possível ver a imagem do líder esculpida em ferro na fachada do Ministério do Interior em Havana, Cuba.
R7