Na semana passada, o presidente argentino Alberto Fernandéz anunciou a prorrogação da quarentena no país em uma tentativa de controlar novamente a propagação do novo coronavírus, mesmo com as manifestações contra a medida que ocorreram na última segunda-feira (17).
A Argentina caminha agora para o sexto mês de isolamento, com uma recessão gravíssima batendo à porta, ilustrada pelas previsões do Produto Interno Bruto (PIB) — variando entre um recuo de 8% e 12%.
Segundo o economista e professor de Relações Internacionais da ESPM, Leonardo Trevisan, o país vizinho já vivia uma situação financeira “mais complicada que a do Brasil”, mas que mesmo assim “tomou uma opção formal pela vida, atitude mais eficiente do ponto de vista da saúde pública, mas que parou a economia completamente”.
Segundo o economista, a situação se iniciou no governo anterior de Maurício Macri, que tomou “a maior ajuda da história do FMI”, assustadores US$ 56,3 bilhões (cerca de R$ 314 bi), levando o país quase à falência. Fernandez, então, assumiu a negociação da dívida como uma de suas promessas de campanha, a qual ele cumpriu, conseguindo um desconto de 54% no valor total.
Porém, com as regras de controle sobre as importações mais rígidas, impostas no começo do ano e agravadas nessa semana, a redução na produção, natural do período de quarentena, mas intensificada pela longevidade do isolamento, e as medidas governamentais de auxílio emergencial, como a proibição de demissões, a Argentina estagnou e provocou o aumento de sua dívida pública.
Trevisan explica que essas decisões implicam em dois resultados: uma inflação mais robusta e redução do investimento estrangeiro. “A Argentina vive uma situação cambial problemática. O peso argentino está em uma equivalência de 73 pesos para 1 dólar e a previsão otimista de inflação para esse ano é de 45%”, alerta.
“Mas o maior risco é que, nessa situação, o investidor externo não vai querer colocar o dinheiro no país, pelo medo de não receber seu dinheiro de volta, e quanto menos investimento, menos dinheiro pra saldar a dívida externa”, aprofunda Trevisan.
Esse problema é indicado pelo índice risco-país argentino, que é de 2000 pontos — o brasileiro é de 150 pontos. “A Argentina só está atrás da Venezuela, na América do Sul, quanto ao perigo de retorno de investimento”, conclui.
Por outro lado, a popularidade decrescente de Fernandéz e a possível reforma judicial que dá mais influência para o Executivo nas decisões do Judiciário, que é vista como uma tentativa de manter Cristina Kirchner impune, são uma ameaça a estabilidade, já frágil, do país.
Fernández viu a aprovação de seu governo cair de 60% em maio para 49% em junho, e a avaliação ruim ou péssima estacionar nos mesmos 49%, após o país alcançar a marca de 100 dias em quarentena.
A reforma judiciária pode prejudicar mais ainda a visão da população em relação a Fernández. Ao anunciá-la, o presidente afirmou: “Procuramos superar que o poder de decisão se concentre em um pequeno número de magistrados”. A proposta, que inclui a criação de uma nova Justiça Criminal Federal, poderia colocar os processos em que a vice-presidente, Cristina Kirchner, é ré em outras mãos.
“Existe um equilíbrio sensível dentro do peronismo. A postura de de Kirchner pode atingir esse equilíbrio e agravar a crise”, conclui Trevisan.
R7