Diariamente, 1.680 pessoas passam pela Cracolândia, segundo estudo realizado pela Uniad (Unidade de Pesquisas de Álcool e Drogas) e da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e divulgado na segunda-feira (3). A região no centro da capital paulista, que segundo a pesquisa movimenta quase R$ 10 milhões a cada mês, é um problema não resolvido por seguidas gestões da Prefeitura.
Responsável pelos estudos que avaliam a área e seus frequentadores há quatro anos, a pesquisadora Clarice Madruga acredita que a única forma de se enfrentar o problema é com um planejamento a longo prazo e integrado. “São dois aspectos que precisam de ações conjuntas. Pecamos por olhar só para a saúde e só para o [aspecto] social. Os dois têm de ser integrados”, afirma Clarice.
A pesquisadora argumenta que esta integração se faz necessária pela complexidade do local, exemplificada por ela com um dos dados da pesquisa: “80% dos usuários que estão lá vieram de casa. Se excluíram como consequência do agravamento da dependência. Isso mostra como o problema é de saúde e também social, de falta de amparo e acolhimento”.
Entre os entrevistados, os locais mais procurados na busca por tratamentos são hospitais (47%) e comunidades terapêuticas (38,3%), que são equipamentos de amparo social focados na população de dependentes químicos.
Nas chamadas CTs, o tempo médio de estadia dos dependentes é de sete a nove meses, segundo o estudo. Dados que, para Clarice, podem ser mal interpretados.
“Alguém pode pensar: ‘Se o povo passa esse tempo na CT, é porque não funciona’. E isso está muito errado. As pessoas dificilmente saem do crack com uma única intervenção. É um percurso que leva tempo e vai necessitar de diferentes abordagens”, diz a pesquisadora. “Pode precisar de uma desintoxicação médica, em outros pode ser só um amparo social. E certamente no decorrer da vida vai precisar de um tratamento ambulatorial. Todos tratamentos são importantes. Por isso é preciso ter essa integração.”
“Não se resolve a Cracolândia na Cracolândia”
Perguntada sobre a megaoperação do então prefeito João Doria, em maio de 2017, que visava reurbanizar a Cracolândia, mas que, de acordo com o próprio estudo, pouco mudou na movimentação diária de usuários no local, Clarice diz que a questão era mais complexa do que parece.
“Não concordo com ações tão agressivas. Se tivesse ações mais amplas e estruturais, fora desse contexto, nunca precisaria daquilo. Mas, naquele momento, havia um total descontrole”, diz.
Segundo ela, as principais ações em prol da solução do problema na Cracolândia não devem estar somente na região. “São necessários serviços de prevenção em todas as regiões da cidade, principalmente nas periferias e também na Grande São Paulo. Não há, em geral, amparo social e de saúde para o restante da população paulistana.”
A afirmação de Clarice se sustenta em números de outra pesquisa, o Mapa da Desigualdade de 2019, realizado pela Rede Nossa São Paulo: a pesquisa indica que os bairros periféricos ficam, em geral, no topo quando as listas são de tempo de espera na rede pública e também no Programa Saúde da Família. Os números, no entanto, são os mais baixos na proporção de leitos hospitalares por habitantes.
Um terço entra, um terço sai
Para Clarice, embora a frequência de pessoas por dia na Cracolândia tenha variações baixas entre as duas primeiras e a última edição do estudo, isto não quer dizer que as pessoas que lá estão sejam as mesmas.
“De uma pesquisa a outra, o que percebemos foi uma média de cerca de um terço que saía dali, seja por operação do poder público ou iniciativas de assistência, e outro terço que chegava. O número [de frequentadores diários] se manteve estável assim”, relata a pesquisadora.
“Por isso, percebemos que não há nada de prevenção mais ampla de tratamento. Mais pessoas perdem vínculos de família e acabam chegando. Enquanto não fizermos ações estruturais, essa torneira nunca fechará”, conclui.
R7