O que pode estar atrelado a um simples nome de rua? Quais os critérios estabelecidos para se nomear um logradouro? Foi a partir desses questionamentos que o curta documental “Ruas da Discórdia” mergulhou em dois cenários icônicos de investigação urbana: Salvador, primeira capital do Brasil, e Feira de Santana, segunda maior cidade da Bahia. Com a proposta de refletir acerca da representação dos nomes de rua e das personalidades “escolhidas” para identificar os espaços urbanos, o documentário desdobra seus impactos para a história sócio política brasileira e também os seus reflexos na atualidade. Com direção do feirense Gean Almeida, as filmagens do documentário já começaram e a obra está prevista para ser lançada em agosto deste ano.
De acordo com o diretor da obra, “os nomes das ruas, ladeiras e avenidas serão o fio condutor para recontarmos a história do Brasil através do resgate da memória de um passado remoto. A ideia de produzir uma obra audiovisual sobre os nomes das principais ruas de Salvador e Feira de Santana surgiu de um incômodo por não nos sentirmos representados em ter um espaço público identificado por nomes de personalidades que, em geral, têm em suas biografias, a mancha do sangue das vidas que ceifaram em diferentes contextos históricos brasileiros”.
O cineasta explica que a pesquisa para o projeto mostrou que essas figuras públicas são, em sua maioria, homens brancos, da elite burguesa, brasileiros e estrangeiros de maioria europeia, “incluindo invasores, estupradores/bandeirantes responsáveis pelas mortes de milhares de nativos brasileiros, africanos e afrodescendentes, colaboradores do regime militar, políticos corruptos, barões escravocratas, tornando os espaços públicos e coletivos palanques para que essas personalidades sejam homenageadas e projetando-as como referências históricas para a população”. Além disso, a obra destaca a baixa representatividade dos títulos de personalidades negras e mulheres nas cidades, “reforçando uma concepção misógina, racista, elitista e excludente na organização da cidade e seu plano urbanístico de toponímia”, salienta.
Para promover o debate e uma proposta de mudanças práticas nos nomes de algumas ruas, a obra vai reunir depoimentos de personagens sociais de Feira de Santana e Salvador que irão compor o documentário. Além da reflexão sobre as relações étnico-raciais, de gênero e classe na construção toponímica das duas cidades, o curta documental vai aproveitar de elementos da cultura afro-baiana e de recursos como animações e imagens de arquivo para evidenciar o espaço urbano das cidades de Salvador e Feira de Santana.
“Vamos utilizar desses conhecimentos históricos para refletir sobre a construção da identidade nacional e a atual conjuntura baiana e brasileira, à luz da sua história, gerando oportunidade de reconstrução da memória histórica das cidades e do País”, avalia o cineasta.
Com o objetivo de estimular a universalização do acesso às obras audiovisuais e não limitar e excluir uma grande parte da população brasileira, o documentário haverá recursos de audiodescrição (AD), LIBRAS e Legendas para Surdos e Ensurdecidos (LSE).
Raízes TV
Foto: JD
A obra documental é resultado do projeto desenvolvido pela Mídia Preta Independente Raízes Tv, coletivo formado por artistas, pesquisadorxs e produtores culturais negros que tem o objetivo de através da pesquisa e do registro audiovisual, construir dispositivos que incentivem o olhar crítico das pessoas sobre as nomeações de logradouros e sua influência no imaginário coletivo da cidade, sua relevância política e social e a possibilidade de se repensar em um novo plano de nomeação e representação das ruas da cidade.