Sete jurados. Sete cidadãos idôneos com mais de 18 anos. Esse é o conselho de sentença. O coração do Tribunal do Júri que ao final vai bater mais forte por um lado ou pelo outro. É por essas batidas que acusação e defesa se digladiam através da oratória, num espetáculo cênico de drama e ironia, em que, frequentemente, vale mais a emoção do que a técnica, já que é a sociedade leiga que vai decidir qual justiça será feita. Nos tribunais populares brasileiros os dois maiores bens jurídicos são colocados em disputa: a vida e a liberdade. Ao juiz, que preside a sessão, cabe manter o rito, sortear os jurados, evitar que as partes se excedam, apresentar os quesitos a serem respondidos laconicamente com sim ou não e prolatar a sentença. Na verdade, somente dosar a pena do réu em caso de condenação, já que os jurados são soberanos e sua decisão, inquestionável durante o julgamento.
A busca pelo mais justo, de acordo com a convicção íntima de cada um dos integrantes do conselho de sentença, dura sempre o necessário, que pode ser cinco, 10, 100 horas ou mais, sem qualquer contato com o mundo exterior. A tensão sobre os profissionais do Direito é grande. Raciocínio rápido, alto poder de convencimento, concentração para se manter no caminho ao ser interrompido, consciência da responsabilidade e uma verdadeira verve de orador são características mínimas necessárias. São os argumentos desses atores e a forma como utilizarão os instrumentos disponíveis que levarão os jurados a decidir o futuro do réu.
1) O Tribunal do Júri:
Julga crimes dolosos contra a vida, praticados pela vontade livre e consciente do autor. Homicídio, infanticídio, aborto e participação em suicídio.
2) A Pronúncia
Antes de chegar ao Tribunal do Júri popular, o processo já foi avaliado por um juiz da vara sumariante, que, depois de ler os autos, ver provas e ouvir testemunhas e acusado, decide se há o crime e se existem evidências da autoria. O reú pode ser liberado do júri popular caso essas premissas não estejam presentes, não tenha havido intenção de matar ou haja excludente de ilicitude, quando apesar de estar tipificado no Código Penal, o ato deixa de ser crime, a exemplo dos casos de legítima defesa e estado de necessidade.
3) Oficial de Justiça
Faz o pregão para saber se todos estão presentes, a acusação, a defesa e o quórum de 15 jurados, o que permitirá ao juiz abrir a sessão. Esse mínimo é necessário porque sete serão sorteados e cada parte pode rejeitar três deles.
4) Juiz
Preside o julgamento, faz o sorteio dos jurados que integrarão o conselho de sentença, é intermediário do júri nas perguntas às testemunhas e ao acusado, elabora os quesitos, faz a apuração do resultado e prolata a sentença para todo o Tribunal do Júri. Em caso de condenação, dosa a pena e determina se o réu poderá apelar em liberdade ou não. Pode declarar o réu indefeso caso a defesa seja muito deficiente e suspender o julgamento.
5) O conselho de sentença
A cada ano na Bahia, 1.500 cidadãos maiores de 18 anos e com idoneidade moral são convocados, independentemente do nível de alfabetização. Desses, 25 a cada mês devem estar disponíveis para os júris. Em cada julgamento sete são sorteados para efetivamente integrar aquele conselho de sentença, sendo que as partes podem rejeitar três deles sem explicitar os motivos. Quem não comparecer e não apresentar motivo adequado sofre multa de um a 10 salários mínimos. Eles acompanham os depoimentos, o interrogatório e os debates e ao final respondem os quesitos apresentados pelo juiz.
6) A exortação aos jurados
Feita pelo juiz, apela que os jurados julguem de acordo com a mais íntima das convicções.
“Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da Justiça.
Os jurados, nominalmente chamados, responderão: assim prometo”.
7) A acusação
O promotor apresenta argumentos e provas que demonstrem a existência do crime e a culpa do acusado. É seu papel defender os interesses da sociedade e caso perceba que o réu é inocente ou merece tratamento diferenciado pode pedi-lo. A família da vítima também pode contratar um assistente, que dividirá o tempo da acusação com o representante do Ministério Público.
8) A defesa
Advogado ou defensor público defende o acusado, mas não obrigatoriamente pede a absolvição. A tese pode ser, por exemplo, a semi-imputabilidade, que reduz de 1/3 a 2/3 a pena.
9) Espectadores
A não ser em casos de grande repercussão, quando são distribuídas senhas, qualquer pessoa pode assistir a um julgamento.
10) As provas
Devem ser produzidas durante a fase de pronúncia e a preparação do processo para julgamento em plenário. Não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com antecedência mínima de três dias úteis, dando-se ciência à outra parte. Uma prova de última hora e de inegável importância no processo pode provocar o adiamento do júri para que a outra parte tome conhecimento, a depender da avaliação do juiz.
11) As testemunhas
No plenário, há um número máximo de cinco testemunhas arroladas por cada parte. Darão seus depoimentos sobre o crime, sobre o caráter do réu ou um álibi. Uma nova testemunha-chave descoberta pela defesa durante o julgamento poderá provocar o adiamento da sessão para que a acusação tome conhecimento dos fatos, a depender da avaliação do juiz.
12) O réu
Sempre é interrogado quando está presente e não deverá usar algemas, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos ou à garantia da integridade física dos presentes. Fala apenas quando questionado ou quando a palavra lhe é dada pelo juiz. Só será preso após sentença transitada em julgado, a não ser que já esteja detido por prisão cautelar durante o processo.
13) Os debates
Após os testemunhos e o interrogatório do réu, a acusação apresenta seus argumentos, seguida pela defesa, cada uma com uma hora e meia. São possíveis réplica e tréplica de uma hora cada, além de perguntas do conselho de sentença.
14) A sala secreta
Local isolado dentro do próprio Tribunal em que os jurados respondem os quesitos em votação secreta através de cédulas que contem as respostas sim e não.
15) Os quesitos
São proposições afirmativas sempre na mesma ordem que devem ser respondidas com sim ou não. A resposta negativa de mais de três jurados para os itens “a” e “b” implica na absolvição do acusado.
- a) A materialidade do fato. Houve crime?
- b) Há autoria ou participação do réu?
- c) O acusado deve ser absolvido?
- d) Existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa?
- c) Existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena?
16) Sentença
É lida no plenário pelo juiz, redigida por ele com base na apuração das respostas do conselho de sentença e nos parâmetros definidos pelo júri.
O projeto de reforma do Código de Processo Penal prevê ampliação do número de jurados para oito, com empate favorável ao réu. Ele também prevê a instituição da deliberação entre o conselho de sentença, com a possibilidade de discussão, apesar da manutenção dos votos individuais.