A Prefeitura de São Paulo tem como meta transferir a entrega de medicamentos do SUS (Sistema Único de Saúde) para redes de farmácia particulares, com o argumento de que a atual logística de distribuição não tem funcionado. Ainda sem data definida, a transferência fará boa parte dos 844 medicamentos incluídos na lista do SUS, ir parar, muitos deles exclusivamente, nas prateleiras das farmácias.
Mas, segundo o sociólogo Américo Sampaio, gestor de projetos da ONG Rede Nossa São Paulo, que fiscaliza ações da administração pública, em vez de resolver o problema, esta iniciativa estará ampliando a desigualdade social na capital paulista.
— É preciso melhorar a distribuição dos remédios no serviço público, mas colocar nas farmácias a entrega é uma medida que aprofunda a desigualdade. A rede de farmácias está muito concentrada no centro expandido da cidade, não tem capilaridade, moradores da periferia que justamente são os que mais precisam, não vão ter acesso fácil ao remédio garantido pelo SUS.
Questionada pelo R7, a Secretaria Municipal da Saúde não deu maiores informações sobre o programa, garantindo apenas que irá fazê-lo com o menor custo e sem nenhum prejuízo à população. As farmácias nas UBSs, de acordo com o comunicado, continuarão entregando os medicamentos estratégicos, como os para tuberculose, hanseníase e doenças raras. A secretaria admitiu, no entanto, o fato de que a quantidade de farmácias na periferia é bem menor.
— A pasta está ciente de que há regiões que não apresentam centro comercial ou mesmo sem facilidade de locomoção até a farmácia mais próxima, tanto que considera manter a dispensação em farmácias de UBSs (Unidades Básicas de Saúde) nestas regiões.
A declaração contradiz o que o secretário da Saúde, Wilson Pollara, disse ao jornal O Estado de S. Paulo no início de janeiro último.
— Não queremos mais entregar remédio na UBS. Essa logística não dá certo, é muito difícil. Não vamos competir com a coisa mais permeada que tem, que é farmácia.
Sampaio, porém, garante que o acesso da população às UBSs é mais amplo do que o das farmácias na capital paulista.
— Em São Paulo, quase não há distrito sem UBS. Elas alcançam as regiões mais distantes, algo que as farmácias não fazem. Se os medicamentos forem mantidos nas UBSs da periferia, a iniciativa não teria sentido, já que a logística da entrega não é efetivada na periferia, só é no centro expandido, em função de as empresas de distribuição serem poucas. Desta maneira, o problema continuaria existindo.
As declarações contraditórias dos agentes públicos, segundo Sampaio, não estão se concentrando no cerne da questão. O gestor destaca que a falta de medicamentos se deve a uma distribuição precária, conduzida por um verdadeiro cartel, segundo ele.
— O problema seria resolvido com revisão dos contratos com as distribuidoras e a criação de travas institucionais, neste caso, multas de fato relevantes que fizessem com que as empresas que entregam cumprissem a logística de priorizar as periferias. São muito poucas as empresas, não há competitividade e elas acabam não entregando nestes locais mais distantes.
A direção da ABCFarma (Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico), por sua vez, deixou claro à reportagem que, mesmo sendo gratuitos, os medicamentos servirão para as drogarias agradarem uma potencial clientela, o que, segundo Sampaio, é algo inaceitável.
Sampaio ressalta que há grande possibilidade de qualquer informação do paciente, utilizada nas UBSs apenas para mapear políticas públicas, entrar no banco de dados da farmácia. Isso só não ocorreria se a Prefeitura investisse milhões em um novo sistema de informática, específico para as farmácias, algo que não faria sentido em um projeto que em tese busca reduzir custos.
— Não há como fiscalizar milhares de estabelecimentos, caso eles queiram fidelizar um cliente. E seria oportunismo estar se valendo de um serviço público para tentar tirar vantagem de mercado em cima disso. É cruel.
R7