Diagnosticada pela primeira vez em 1910, a anemia falciforme permanece quase invisível na Bahia. Foi contra essa invisibilidade que Tharcia Purificação, 29 anos, quis investir em seu trabalho de conclusão de curso de graduação (TCC) em Saúde Coletiva, elaborando uma ferramenta com potencial para ir muito além de sua unidade, o Instituto de Saúde Coletiva (ISC). O que Tharcia fez foi um documentário de 50 minutos, denso e doloroso, mas esperançoso, com o poético título Nas teias de Anansi: do diagnóstico à resistência.
Um TCC estruturado como uma narrativa audiovisual era algo inédito para o ISC, tanto que, ao receber a proposta da estudante, a antropóloga e professora Clarice Mota, sua orientadora, não tinha certeza se isso seria permitido, uma vez que não estava nas normas regulares para a graduação no Instituto.
“Sempre achei que o documentário tem uma possibilidade científica forte e há quem trabalhe exatamente com isso, embora não seja costume na área de saúde”, comenta Clarice Mota. Ela conta que a ajudou a argumentar favoravelmente ao TCC-vídeo o co-orientador do trabalho, Altair dos Santos Lira, também antropólogo, professor substituto no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) e pesquisador do programa Comunidade, Família e Saúde: Contextos, Trajetórias e Políticas Públicas, do qual ela é vice-líder. Aliás, Lira é também fundador e presidente da Associação Baiana das Pessoas com Doenças Falciformes (Abadfal), organização que ele se empenhou em criar desde que tomou contato direto com o problema, há cerca de 18 anos, motivado pelo diagnóstico da filha.
“Um argumento que apresentei foi a possibilidade que o documentário traz de quebrar um pouco a invisibilidade da doença falciforme, até do ponto de vista da formação em saúde. Muitos entre nós se formam sem sequer saber que existe a doença, o que é paradoxal dada sua alta incidência aqui no estado, comparável ao que se registra na África”. Os números da anemia falciforme ou, como hoje se prefere, das doenças falciformes a que ela se refere são ainda mais impressionantes no Recôncavo baiano, em que a incidência é de uma pessoa por 150, e em especial no município de Cruz das Almas, onde atinge uma em 130 pessoas. Na Bahia, a incidência hoje se dá na faixa de uma pessoa por 627 baianos, enquanto em Salvador há um caso para cada 530 soteropolitanos.