Aprovado na última semana pelo plenário do Senado, o projeto de lei (PLS 64/2018) que estabelece que gestantes, mães de crianças até 12 anos ou responsáveis por pessoas com deficiência poderão ter prisão domiciliar no lugar da preventiva tem dividido opiniões. O texto ainda precisa ser analisado pela Câmara dos Deputados para se tornar lei.
Um dos pontos divergentes é o que define critérios para que gestantes e mães de crianças de até 12 anos possam ser beneficiadas com a progressão da pena. Pela proposta, terão direito à pena menos rigorosa caso não tenham cometido crimes com violência, contra o próprio filho ou de grave ameaça, se tiverem cumprido um oitavo da pena, sejam rés primárias e não tenham pertencido a organização criminosa. Se cometerem novo crime doloso, terão o benefício revogado. Em geral, uma mudança de regime penal ocorre apenas quando as pessoas cumprem o equivalente a um sexto da sentença.
Na avaliação do Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) – organização que trabalha pelo fim da desigualdade de gênero e do encarceramento -, a diminuição do tempo de cumprimento da pena para a concessão do benefício é um avanço, mas as presas podem ter dificuldades em cumprir as condições impostas. “Caso a mulher não consiga reunir documentos que comprovem que ela não participa de organização criminosa, tenho medo que as mulheres fiquem rotuladas e de que esses requisitos sejam utilizados para impedir a concessão de outros benefícios, como, por exemplo, os que exigem um relatório do diretor do estabelecimento prisional”, alertou Maria Clara D’ávila, advogada do instituto.
A senadora Simone Tebet (PMDB-MS), autora da proposta, afirmou que as condições foram a melhor maneira de convencer senadores com perfil mais conservador a apoiar a proposta, que muda a legislação. Ela destacou que, atualmente, as detentas recebem o mesmo tratamento que os demais presos e só recebem a progressão após cumprimento de um sexto da pena, em caso de crime comum, ou dois quintos da pena para crimes hediondos. A parlamentar acrescentou que o fato da proposta ser voltada a mulheres em situação de extrema vulnerabilidade já seria motivo suficiente para a concessão de uma progressão de pena diferenciada sem necessidade de novas exigências.
STF
Além das mudanças para progressão da pena, o texto incorporou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em fevereiro deste ano, decidiu conceder prisão domiciliar a presas sem condenação que sejam gestantes ou mães de filhos com até 12 anos. A decisão beneficia, pelo menos, 10.321 mil detentas, segundo o Departamento Penitenciário Nacional.
Simone Tebet ressaltou que mais de 60% da população carcerária feminina responde por tráfico de drogas, crime considerado hediondo pela legislação brasileira. No entanto, a senadora disse que a maioria comete o crime influenciada pelo companheiro e não representa perigo à sociedade. “É comum que elas sejam condenadas por posse de pequenas quantidades de drogas, ao serem usadas por seus companheiros. A separação dos filhos é bastante prejudicial para as crianças, e a presença deles na prisão é a condenação de inocentes. Resolvi apresentar este projeto depois que tomei conhecimento das condições em que vivem e morrem as mulheres encarceradas e seus filhos. O vir à luz é sair do ventre materno acolhedor para o mundo da escuridão, das celas imundas, frias e inóspitas. A certidão de nascimento é uma sentença”, ressaltou.
Encarceramento
No último ano, a Defensoria Pública de São Paulo aumentou em 30% o atendimento a gestantes e mães presas no estado, chegando a 3.074 mulheres atendidas no âmbito do programa Mães em Cárcere, criado em 2014. A defensoria atende mães de 18 unidades prisionais no interior e na capital.
Segundo a defensoria, um dos objetivos do programa é conseguir pedidos de prisão domiciliar para gestantes ou mães com filhos menores de 12 anos, assim como defender presas em processos de destituição do poder familiar.
Sobre a decisão do STF, a defensora Maíra Diniz alerta que, apesar de o Supremo ter estabelecido que os tribunais cumpram a medida até 2 de maio, muitos juízes resistem em aplicar e, em alguns casos, é preciso ingressar com ações individuais para conseguir o benefício.
“O habeas corpus coletivo [decisão do STF] é importante porque reafirma algo que já estava na lei, mas que infelizmente não era aplicado pelo Judiciário. O Código de Processo Penal diz que a mulher ficará em prisão domiciliar caso seja presa provisória e com filhos. [O habeas corpus] também deu a possibilidade do cumprimento indiscriminado dessa lei. Não vai ser para uma ou para outra, é para todas as mulheres naquelas condições e requisitos estabelecidos naquela decisão [do STF]. Isso é importante, porque isso é Justiça, é equidade”, disse.
(Luiz Silveira/Agência CNJ)