A suspensão pelo Supremo dos benefícios de acordo de delação premiada, feito entre a PGR (Procuradoria Geral da República) e o empresário Joesley Batista e o ex-diretor de relações institucionais Ricardo Saud, ambos da J&F, mira investigar a veracidade das informações fornecidas pelos executivos.
Eles não foram os primeiros a quebrar um acordo de colaboração firmado com a Justiça — antes deles, o doleiro Alberto Youssef, também encrencado na Lava Jato, havia perdido os benefícios da delação em 2014 ao romper regras no caso do Banestado.
A decisão de congelar os benefícios dos executivos da J&F foi determinada pela ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin no último domingo (10).
Após a entrega de novos áudios no final de agosto, o procurador-geral da república, Rodrigo Janot, fez a revisão da delação e informou que há partes mentirosas e omitidas nos depoimentos. A partir de agora, Batista e Saud, que estão presos temporariamente, podem se tornar réus e, eventualmente, serem condenados, já que perderam a imunidade penal.
A advogada constitucionalista Vera Chemim explica que o acordo de delação pode ser quebrado assim como um contrato, que é rescindido quando uma das partes desrespeita as cláusulas do documento. Para ela, a decisão de Fachin foi tomada para investigar melhor as informações fornecidas pelos executivos.
— Por enquanto não houve rescisão do acordo. Ele foi suspenso temporariamente para que haja uma investigação mais aprofundada para ver até que ponto eles [Batista e Saud] omitiram informações e até que ponto Miller estava envolvido. Tudo isso vai ter que ser investigado agora.
Vera faz menção a áudios de Batista e Saud, revelados na última terça-feira (5), em que falam sobre uma possível influência do ex-procurador Marcello Miller sobre Janot na negociação da delação premiada da J&F. A advogada afirma que, mesmo que a delação seja eventualmente rescindida, as informações e provas continuam valendo para o processo.
A advogada criminalista e professora de pós-graduação do IDP-SP (Instituto de Direito Público de São Paulo) Fernanda Almeida Carneiro explica que, caso a delação seja anulada, outras investigações paralelas a esta da JBS podem ser afetadas. A investigação de Fachin determinará o andamento do processo.
— Se essa delação for anulada, outras coisas ligadas a essa também seriam. Tudo o que surgiu a partir dela automaticamente seria anulado.
Vera também afirma que as provas são um tema que gera debate entre juristas. Caso a participação de Miller seja comprovada, as provas deveriam ser consideradas ilícitas, explica.
— Se o Marcello Miller estiver realmente envolvido nessa delação de alguma forma, orientando os executivos, eu considero que há provas obtidas por meio ilícito, porque houve a intervenção de uma terceira pessoa. Não pode haver um meio de prova ilícita e, por isso, as provas teriam que ser anuladas.
— Para que haja segurança jurídica e para que as delações avancem, é importante que [membros do MPF] tenham convicção muito robusta sobre a omissão ou mentira dos executivos. Caso contrário, isso contamina uma insegurança nos outros colaboradores, mas também impacta nas provas que decorrem dos acordos.
Mentiras em delações
Mentir perante um juiz é considerado crime diante do Código Penal brasileiro e a legislação sobre a delação premiada (nº12.850/2013) não traz cláusula explícita que fale sobre o assunto. Fernanda, do IDP-SP, explica que o tema costuma ser tratado caso a caso.
— A lei de delação não estipula que o delator conte tudo o que ele sabe. Isso é uma cláusula que costuma ser negociada entre o delator e o Ministério Público Federal.
Vera complementa que existe um princípio que determina que, ao firmar acordo de delação, os envolvidos estariam levando em conta a boa-fé e, consequentemente, falando a verdade.
— Os executivos possivelmente faltaram com um princípio que é inerente, que é o princípio da boa-fé objetiva. Ou seja, quando você vai fazer um acordo, você está fazendo isso de boa-fé. A partir do momento que você prova que não usou a boa-fé, você pode ser penalizado.
No entanto, os textos das delações costumam ter uma cláusula específica que determina que as provas podem sim ser utilizadas caso a anulação aconteça por omissão de informações ou mentiras dos delatores.
Essa situação gera uma dúvida sobre a aplicação ou não das provas e cabe a Fachin decidir.
Hugo Leonardo explica que a penalização para os delatores, se realmente tiverem omitido ou mentido, tende a ser o julgamento pelo qual os delatores podem ser submetidos.
No entanto, pondera que há uma discussão sobre a possibilidade de que Batista e Saud ainda tivessem dentro do prazo para enviar novas informações ao Ministério Público e, portanto, poderiam mandar novas provas que estavam “faltando”.
— Se eles mentirem ao celebrarem o acordo de delação, a penalização deles é justamente a eficácia da condenação do crime que confessaram. Deixam de ter imunidade ou abrandamento da pena, que tenha sido concedida em algum momento. Não há uma nota de responsabilização na lei.
O advogado explica que já houve casos de quebra de acordos de delação premiada, como o do doleiro Alberto Yousseff em 2014 no Escândalo do Banestado. A condição para que o doleiro mantivesse os benefícios era que ele não cometesse novos crimes. Como foi pego na operação Lava Jato, perdeu o acordo. O advogado diz que ainda são casos isolados, principalmente porque as delações são um instituto novo na história do País.
R7