Principal aposta do Ministério da Educação (MEC) para ajudar a financiar as universidades federais em tempos de orçamento acanhado, os recursos obtidos pelas próprias instituições com iniciativas como cursos pagos, aluguel de imóveis e contratos com o setor público e privado despencaram desde 2013.
Chamadas de receitas próprias, essas verbas caíram de R$ 1,5 bilhão em 2013 para menos da metade em 2017 (R$ 753 milhões), segundo dados levantados pela consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados. Os valores foram corrigidos pela inflação.
A maior queda se deu em 2015, quando a economia do país encolheu 3,8%, e governos e prefeituras, tradicionais contratantes de pesquisas e consultorias, enfrentaram forte desequilíbrio financeiro. Em 2016 e 2017, a receita de verbas próprias se estabilizou no patamar entre R$ 700 milhões e R$ 800 milhões.
Relatório da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados, de autoria do consultor Cláudio Tanno, aponta que os recursos diretamente arrecadados pelas universidades responderam por apenas 1,5% do orçamento delas em 2017, mas têm “elevado potencial de incremento”.
Além da queda na arrecadação, os dados mostram ainda que as instituições de ensino não conseguem utilizar parte da verba angariada por conta própria. Em 2017, por exemplo, elas gastaram 83% do total arrecadado.
Para utilizar os recursos, as universidades precisam que o orçamento seja liberado pela área econômica do governo, o que nem sempre acontece.
Estudo recém-lançado pelo Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados aponta o teto de gastos do governo federal, que limita o aumento de despesas da União à inflação, como um desestímulo para as universidades captarem essas chamadas “receitas próprias”.
Isso acontece porque, mesmo que as instituições consigam aumentar sua receita além do previsto, elas só podem utilizar parte dessa verba. O restante é bloqueado e destinado a reduzir o déficit fiscal do Tesouro ou, em alguns casos, até é liberado, mas como contrapartida do corte de verbas que viriam de qualquer forma do MEC.
“O teto de gastos constitui empecilho para ampliação de fontes de recursos das universidades com uso de recursos diretamente arrecadados, situação que vem a desestimular as instituições federais de ensino na busca por receitas dessa natureza”, conclui o estudo, que recomenda a aprovação de legislação para tirar as receitas próprias do cálculo do teto de gastos.
No ano passado, o Ministério da Educação da gestão Michel Temer (MDB) tentou fazer isso por meio de emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019, mas acabou derrotado pela área econômica do governo.
Pró-reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Fernando Mezzadri chama de confisco o bloqueio das verbas arrecadadas pela própria universidade. “Desestimula por completo. Não adianta fomentar a arrecadação se o recurso não é liberado”, afirma.
Para Gustavo Fernandes, professor do departamento de gestão pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), seria complicado abrir uma exceção para as universidades nesse caso, uma vez que isso daria margem a outros órgãos públicos pleitearem o mesmo.
Anunciado pelo Ministério da Educação com o objetivo de aumentar a captação de recursos extras para as universidades federais, o programa Future-se tenta contornar o limite transferindo parte da gestão a organizações sociais.
“As instituições já contam com receitas próprias […]. Mas os recursos não apresentam retorno direto para as atividades por conta de limitação legal. O dinheiro arrecadado vai para a Conta Única do Tesouro”, diz texto sobre o Future-se divulgado pela pasta.
Parte das universidades federais já tem passado recursos privados para organizações sociais, como, por exemplo, a Universidade de Brasília (UnB).
Em 2014, a instituição transferiu atividades do antigo Cespe, responsável pela realização de concursos públicos, para a organização social Cebraspe, fazendo com que o dinheiro de taxas não mais ingressasse diretamente na UnB.
Com esse mesmo objetivo, a Universidade Federal do Paraná também transferiu para uma fundação de apoio em 2017 a realização do seu vestibular, uma das principais fontes de verba própria.
A Federal de Juiz de Fora também passou a direcionar para fundações de apoio recursos privados, nos casos em que isso é possível.
A consequência dessa estratégia, diz o professor da FGV, é que, em tese, as universidades tendem a perder um pouco da autonomia sobre essa verba, tolhendo a possibilidade, por exemplo, de direcionar parte dela a áreas do conhecimento com menos potencial de interação com o mercado.
Para ele, é preciso cuidado para evitar esse desequilíbrio a partir da implantação do Future-se, que está sob consulta pública.
Entre as medidas elencadas pelo plano para aumentar o aporte de recurso privado às instituições está a constituição de fundos patrimoniais, que concentrariam doações, e a destinação a elas do rendimento de fundos negociados em Bolsa.
Esse ponto gerou críticas por parte de pessoas da área, como Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Dilma Rousseff (PT), que afirmou não ser adequado financiar a educação com um recurso tão vulnerável a variações por fatores externos.
O professor da FGV pondera, por outro lado, que é possível utilizar mecanismos para evitar especulação dos fundos negociados em Bolsa.
Afirma ainda que a diversificação de fontes de recurso pode ser benéfica por deixar as universidades menos vulneráveis a oscilações em uma fonte apenas.
De toda forma, dificilmente as instituições de ensino e pesquisa conseguem se blindar em cenários econômicos desfavoráveis.
Em 2008, a Universidade Harvard, por exemplo, viu o seu fundo patrimonial, responsável por mais de um terço do financiamento de suas atividades, perder 22% do seu valor em apenas quatro meses. Outras universidades americanas sofreram baques semelhantes.
Por questões como essa, o plano do MEC tem sido questionado pelo risco de o Future-se se traduzir em uma redução dos repasses de recurso público às universidades, que já enfrentam um bloqueio de verbas de 30% de suas despesas discricionárias (não obrigatórias). A pasta nega.
“Não podemos depender de financiamento privado para verbas do dia a dia”, afirma o pró-reitor da UFPR. “O recurso privado é muito bem-vindo, mas tem que servir para complementar as ações”, completa.
Bahia Notícias