O governo já esgotou toda a margem de negociação e planeja aprovar a Reforma da Previdência, que cria uma idade mínima para a aposentadoria, entre outras mudanças, no mês que vem no Congresso Nacional.
“Não estamos trabalhando com nenhuma possibilidade de alteração na proposta. O esforço do governo é para aprovar a reforma em novembro. O Congresso é soberano e pode propor mudanças, mas para o governo a ideia central é aprovar a reforma em novembro”, disse Bruno Bianco Leal, assessor especial da Casa Civil, órgão ligado à Presidência da República.
O governo e os parlamentares, porém, não terão vida fácil nas discussões da reforma. As associações de aposentados já programaram um grande ato, em São Paulo, para o próximo dia 9 de novembro contra a proposta.
“Somos 100% contra a reforma. O nosso ato é para alertar a população de que todos seremos prejudicados: aposentados, trabalhadores, comércio, empresários. Vão jogar o País na ruína. E eu não vejo ninguém batendo panela contra isso”, disse Warley Martins, presidente da Cobap (Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas).
O assessor da Casa Civil argumenta, por outro lado, que, para o governo, a reforma nas regras de acessos aos benefícios é fundamental para a sustentabilidade do sistema. “Se não for feita a reforma, vai acabar o dinheiro para outros programas sociais”, disse.
Nas contas de Leal, a despesa com os benefícios previdenciários (do INSS e dos regimes próprios de servidores) e assistenciais somam o equivalente a 56% dos gastos totais do governo federal. “Em dez anos, serão 80% caso a reforma não seja implantada”, afirmou.
O representante do governo explica ainda que, em linhas gerais, a proposta de reforma é uma convergência das regras atuais. “Ela beneficia os mais pobres e não toca em direitos adquiridos”, disse.
Leal e Martins participaram de uma audiência pública de mais de 3 horas na sede da Fapesp (Federação das Associações de Aposentados e Pensionistas de São Paulo) na última segunda-feira (9).
O evento foi promovido pela federação com o apoio da Cobap (confederação dos aposentados) e a Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
“Os aposentados e a população ainda não tiveram a verdadeira noção do que vão perder com a reforma. Ela vem no bojo de outras reformas que atendem ao interesse dos setores financeiros. Não tem rombo na Previdência, o que tem é roubo”, disse a deputada estadual Beth Sahão (PT).
O deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), membro da CPI da Previdência na Câmara dos Deputados, também contestou a proposta de reforma apresentada na PEC 287.
“O governo está vendendo uma mentira. É uma luta desigual. Temos que fazer barulho porque o governo tem o grande capital ao lado dele. Em maio, eles fizeram de tudo para tentar aprovar na marra, por pouco não conseguiram”, disse.
“Foi aprovado recentemente um Refis [Pprograma de Refinanciamento de Dívidas] para livrar a cara de uma cambada de devedores da Previdência. O jogo deles é inviabilizar a Previdência Social para empurrar a Previdência privada e favorecer os bancos”, disse.
Sobre a reforma, o deputado ainda lembrou que “não existe regra de transição, não garante a aposentadoria por invalidez, ela reduz a pensão, acaba com o acumulo da pensão e aposentadoria, entre outras coisas”.
Ex-ministro
Carlos Eduardo Gabas, ex-ministro da Previdência Social nos governos Lula e Dilma, também participou da audiência e contestou os argumentos do representante do governo Temer.
“Não tem nada que se salve nessa reforma. Não dá para chamar de reforma, porque reforma é para melhorar algo e não é esse o caso”, disse.
De acordo com o ex-ministro, ela não mexe na arrecadação e o foco é o corte nos benefícios. “Faltou debate com a sociedade. Acredito que importante pensar num modelo que migre a base de financiamento previdenciário da folha de pagamento [dos salários] para o lucro e o capital”, disse.
“Com essa reforma, o Brasil entra numa encruzilhada civilizatória. É o desmonte da Previdência”, afirmou.
Fator previdenciário
Durante o evento, os aposentados aproveitaram para questionar Gabas sobre o motivo pelo qual o presidente Lula não acabou com o fator previdenciário — fórmula redutora do valor das aposentadorias — quando teve oportunidade. No entanto, também apresentaram propostas de reformas.
Gabas aproveitou a pergunta para fazer um mea-culpa e revelar as tensões dentro do governo petista. “Acredito que foi um erro a edição das MPs 664 e 665 sem uma discussão prévia com a sociedade. Eu fui contra, tinha coisas ali que eu não tinha como defender porque iam contra as minhas convicções”, lembra.
O ex-ministro disse ainda que, “lá no governo, tinha um neoliberal, que era o Joaquim Levy, na Fazenda, que fazia propostas para tirar direitos dos aposentados. Era um quinta coluna dentro do governo”, disse.
“Pagar os aposentados não é um problema para a economia. Pagar direito social é a solução. É distribuição de renda é a solução. Precisamos discutir com a sociedade qual é o modelo de Previdência Social que é justo”, argumentou.
Um dos pontos mais questionados na audiência pública foi a gestão do governo na recuperação das dívidas. O ex-ministro perguntou ao Bruno Leal quanto é a taxa de recuperação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nas dívidas com o INSS.
O assessor disse que não iria responder porque não queria que as sua afirmação fosse usada como argumento político. Após a insistência do Gabas, que chegou a afirmar que o percentual deveria ser baixíssimo, Leal revelou que o índice “não chega a 10%”.
Gabas comentou então que o Brasil precisa de uma política de proteção social e que a reforma não pode se concentrar na retirada de direitos dos trabalhadores, deixando de lado os grandes devedores.
O presidente da Anfip (Associação Nacional dos Auditores Fiscais), Floriano Sá Neto, fez uma análise das contas da Previdência destacando que em 2016 foram mais de R$ 146 milhões em renúncias previdenciárias.
O balanço completo da seguridade social feito pela Anfip será apresentado no dia 24 de outubro na Comissão de Direitos Humanos do Senado.
No ano passado, segundo Floriano, a Seguridade Social, que inclui Saúde, Previdência e Assistência Social, arrecadou R$ 776 bilhões.
R7