Pesquisa mostra que 62% dos jovens entre 16 e 24 anos desejam emigrar
Por Tamara Silva
Mudar os ares, estudar, trabalhar e ter qualidade de vida melhor, principalmente com segurança e educação que funcionem. Some a isso à crise (mais sensível de 2014 para cá) e terá algumas das razões que influenciam quem quer sair do país a recomeçar em terras estrangeiras. Mas será que vale a pena começar uma vida a partir do zero em outro país? E como planejar essa mudança radical?
Entre 2011 e 2013 foram entregues 30.506 declarações de Saída Definitiva do País à Receita Federal; entre 2014 e 2016 houve um aumento de 81,61%, um total de 55.402 declarações. Já em 2018 esse número oficial caiu para 22.200. Porém, muitos saem e não prestam essa informação.
Em pesquisa realizada pelo Datafolha em maio de 2018, 62% dos jovens entre 16 e 24 anos disseram que desejam emigrar. Aqueles com 25 a 34 anos mostram o mesmo desejo em 50%. O número cai de acordo com a idade que vai avançando e o grau de escolaridade diminuindo.
Segundo o presidente da consultoria especializada em mobilidade global – Emdoc, João Marques da Fonseca, em entrevista ao Correio Braziliense, um erro constante de quem deixa o Brasil é acreditar que a vida lá fora será semelhante ao experimentado aqui. Em certos casos, ele confessa identificar que algumas dessas aventuras já surgem com data certa para acabar pela falta de alinhamento entre expectativa e realidade.
Já segundo o Mestre em Direito e advogado Tiago Freitas, cada país apresenta requisitos/exigências próprios.
“É recomendável que os pedidos de dupla cidadania sejam formulados perante os respectivos consulados, na medida em que a ida aos países de destino pode resultar muito custosa. Considerando a peculiaridade de cada país, sugere-se a consulta a um advogado especializado em direito internacional”, sinaliza.
Ainda segundo ele, os pedidos aumentaram, especialmente os de dupla cidadania europeia, por conta da crise econômica brasileira. O mercado está atrativo no Velho Continente “e soma-se ao grande quantitativo de descendentes europeus no Brasil, assim como adoção do critério do sangue como definidor da nacionalidade”.
Ele diz que os pedidos voltam-se notadamente para Portugal, Itália, Espanha, Alemanha e outros países europeus por estas razões.
Personagens reais contam suas experiências
Para falar sobre esse assunto, procuramos algumas pessoas que emigraram do Brasil e as convidamos a contar suas experiências. A jornalista Mariana Kuper (28) que vive no Chile, diz que o país é conhecido como o melhor da América do Sul, economicamente falando. “Como a situação do nosso país está bem ruim, as pessoas criam a ilusão de que se mudar para cá tudo vai ser melhor ‘mas a realidade não é assim’ ”, afirma.
“Eu sempre ajudo muito os brasileiros com dúvidas e existem dezenas de pessoas que me perguntam, por exemplo, quanto podem ganhar fazendo faxina ou trabalhando em escritório. Como garçom, sem saber inglês ou espanhol e sem ter formação alguma, simplesmente porque tem a ideia de que vindo para cá, automaticamente vão ganhar dinheiro, o que não é verdade”.
Quando questionada se dá para ganhar bem no Chile, ela diz “obviamente que sim, mas são pessoas muito especializadas e estudadas, pessoas que poderiam ganhar o mesmo salário ou até melhor no Brasil”.
Ela conta que o país tem problemas de racismo, machismo, xenofobia, problemas burocráticos e financeiros, corrupção e desigualdade social. “Vejo brasileiros que vendem suas coisas, desistem de tudo atrás de um sonho e topam com a realidade chilena que é a mesma do Brasil. Elas acabam fazendo uma propaganda péssima do país sem nem ao menos ter estudado as possibilidades antes de virem, sem estrutura, apenas com ilusões, o que é extremamente perigoso”, alerta. Segundo ela, assim como o Brasil não é um país de todos, o Chile também não é. “Mudar de país não é fugir, sabe, é planejamento”.
“Um belo dia resolvi mudar…”
Já a blogueira do Vida Mochileira, a carioca de 26 anos, Mary Teles, está em Exeter, na Inglaterra. Ela conta que tirou o passaporte português em 2015 por ter avó portuguesa e desde o dia que o conseguiu começou a pensar em qual país da Europa iria morar.
“Como o inglês sempre foi uma barreira pra mim, decidi ir pra Inglaterra de início pra estudar a língua e trabalhar, depois ver o que faria da minha vida”, explica.
Ela também acredita que o dinheiro que se ganha no Brasil vai, basicamente, para pagar contas e impostos, “a violência faz prisioneiro dentro da sua própria casa, a qualidade dos transportes públicos, da saúde e da educação faz você se questionar todos os dias pra onde tá indo todo o dinheiro dos impostos”.
Ela, que hoje é garçonete e supervisora de um restaurante francês, onde também cuida da parte de marketing do salão de festas, diz que “trabalhar no exterior te ajuda muito a melhorar a compreensão na língua e adquirir mais vocabulário”.
Existem sites de procura de emprego como Linkedin e Gumtree, mas o melhor método de todos, segundo ela, é ir com seu currículo debaixo do braço e bater de porta em porta nos restaurantes perguntando se estão contratando. “Se você realmente quer trabalhar e não tem medo de pegar no batente, é fácil arrumar emprego como garçonete, camareira, bartender, chef de cozinha e babá. Para os outros cargos o processo seletivo é mais demorado e bem mais afunilado”.
Segundo ela, a maioria dos relatos e textos do Vida Mochileira são de sua autoria, porém outros viajantes ajudam. “Recentemente criei uma área no blog para incentivar outros viajantes a compartilharem suas histórias de viagem e, assim, inspirar ainda mais pessoas a visitar novos lugares e conhecer novas culturas”.
“Voltei para o Brasil em 2013 decidida que moraria no exterior. Não foi por eu não gostar daqui (eu amo muito o meu país), mas por ter vivenciado uma qualidade de vida tão maravilhosa que acabei não conseguindo me adaptar à rotina caótica e maçante do Brasil que faz com que as pessoas vivam para trabalhar”, finaliza.
Do Brasil para a Rússia
Enquanto estudava Relações Internacionais, o estudante Valdir Bezerra conheceu a literatura russa. Foi assim que surgiu a vontade de conhecer melhor o país.
Por enquanto Valdir não trabalha, ele está em um preparatório de um ano para aprender a língua russa antes do mestrado propriamente dito, que será em São Petersburgo, por dois anos. Ele chegou há pouco no país e ainda não tem muito que avaliar sobre pontos positivos ou negativos, mas diz que:
“Talvez um ponto positivo seja que o custo de vida é mais barato em relação à Europa, o que torna o país convidativo para estudantes brasileiros que tenham intenção de vir morar e trabalhar”.
Segundo ele, a qualidade de vida é similar a países europeus, “em uma cidade pequena você tem opções de teatros, museus, cinemas, parques, vida noturna, restaurantes com preços mais em conta. A saúde na Rússia é muito importante de se falar, aqui se paga anualmente um valor que é bastante compensador se comparado aos EUA, por exemplo”.
Segundo Valdir, um ponto negativo pode ser que os russos são culturalmente muito diferentes dos brasileiros: “no geral bastante frios, não são rudes, no sentido de não rir muito. São bastante consternados, muito por conta da experiência histórica que o país viveu. O clima também muito frio na maior parte do tempo e o céu cinza, que para mim influencia no humor das pessoas. Então, para os brasileiros realmente faz diferença”.
Espanha – O retorno
Há quem sonha em morar fora e há quem já morou, decidiu voltar ao Brasil e depois retornar ao exterior. É o caso de Gabriela Barra, hoje com 29 anos, que foi morar com a família na Espanha. “Meu pai veio primeiro em 2002, conseguiu se estabilizar e depois fomos minha mãe e eu, em 2004 e 2005, nessa ordem”. O problema foi que ela não se adaptou muito bem e sentia falta do país de origem, aos 19 anos ela voltou.
“Na verdade eu nunca havia pensado em sair do Brasil, eu tinha 15 anos e estava começando a viver novas descobertas de adolescente (risos), então não consegui me adaptar 100%”.
Daí surgiu outro problema, ela estava madura o bastante para observar coisas que antes não via: “muita coisa sobre o Brasil me fazia parar para pensar… Os preços, os trabalhos e salários, transporte, estudos, hospitais, até mesmo as pessoas”.
Ela conta que trabalhou dos 19 aos 25 anos em dois empregos e mesmo assim sentiu dificuldade em conseguir melhorar suas condições de vida. Trabalhava 40h semanais como administradora de um bar-restaurante e ganhava R$1.100 (por volta de 2012) por mês, morava em uma kitnet que lhe custava R$600, tinha uma moto usada que lhe dava um gasto mensal de R$100 mais água e luz R$50. Com o restante (R$350) ainda precisava gastar com alimentação e itens pessoais.
“Foi aí que decidi voltar e começar do zero, mais uma vez! Como minha mãe já morava em Zafra (interior da Espanha), a parte de alojamento foi o mais fácil, e também, por ela ter a dupla nacionalidade, eu cheguei e já consegui meu “cartão de residente, que me permite morar legalmente no país”.
Passado um mês que conseguiu seus documentos de permanência legal na Espanha, ela começou a trabalhar em um fast-food onde seu salário era de 800 EUR (mais ou menos R$3.500) por 33h semanais. Ainda morava com a mãe então não precisava gastar com aluguel. “O aluguel em cidade pequena custa em média 350 EUR, a comida aqui é muito barata também, na verdade, o custo de vida em geral, é muito barato”.
“Digamos que eu poderia gastar 150 euros por mês em comida para mim, 70 euros de água e luz, então eu teria uma gasto fixo de 570 euros e sobraria 280 euros para passar o mês, e cara, isso é dinheiro pra caraca, para quem vive em cidade do interior. De fato, eu consegui fazer um bom “pé-de-meia” antes de me mudar para o centro de Madri”.
Hoje ela já vive no centro de Madri e, após fazer um curso especializado, trabalha no aeroporto. Segundo Gabriela, a crise dificultou muito os empregos, agora está mais concorrido e os salários e benefícios pioraram. “Por exemplo, no aeroporto já não faz contrato indefinido como antes, agora eles têm no máximo um ano, após isso, você tem que mudar de empresa ou esperar seis meses para ser recontratada pela mesma empresa”.
Ela também diz que além dos contratos, as companhias aéreas tiraram o vale-transporte e não existe mais refeição. “Para uma pessoa morar sozinha em Madri, com um salário de mil euros, por exemplo, é impossível. Já esse mesmo salário em uma cidade do interior, dá para viver tranquilamente.”
A Pesquisa como o porquê
Outra realidade que pode ser usada como a razão da emigração, é que o país sofre com a falta de recursos para a pesquisa acadêmica científica. Esta área nunca foi um paraíso, porém, atualmente, existe uma “guerra” entre o governo e as instituições acadêmicas públicas para manter o status de pesquisa em pleno funcionamento.
Com bloqueio anunciado em abril deste ano de 30%, segundo o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), o físico Luiz Davidovich, em entrevista cedida ao Valor Econômico, “o principal afetado é o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que provê a maior parte dos recursos à Pesquisa Científica”.
Marcus Pacheco, agora mestre em geologia pela Universidade Estadual da Califórnia em Fresno (California State University, Fresno), decidiu se candidatar para uma universidade fora do Brasil em 2017. Ele conta que, após finalizar a graduação nos Estados Unidos e voltar, não conseguia encontrar emprego.
“Então eu tinha duas opções: trabalhar fora da minha área e ganhar quase nada ou fazer um mestrado. Se fosse para fazer o mestrado, pensei, por que não fazê-lo no exterior para abrir mais portas?”
A imagem acima retrata um momento prático do curso: “foi uma saída de campo que eu estava encarregado de organizar”, ele conta, “sendo parte de um projeto. O professor queria coletar dados geofísicos, que é minha especialidade, e pediu para que e conduzisse o projeto em questão”.
Se for dividir em lado positivo e negativo, segundo conta, dessa experiência, são que positivamente o curso tem uma visibilidade muito boa, não apenas por ser internacional, mas pela universidade em questão. Fundada em 1911, é um dos 23 campi da Universidade Estadual da Califórnia, classificado em primeiro lugar na lista de melhores universidades públicas pela US News & World Report, em 2017.
Já o negativo ficaria pelo custo que ela exige, como ele diz a seguir:
“Estudar nos EUA é BEM caro, ainda mais com o câmbio brasileiro. Eu tinha uma dispensa parcial por semestre (uma espécie de bolsa) mais salário, pois trabalhei durante todo o mestrado e durante as férias. Eu ainda tive dois tipos de bolsa e tentei uma terceira para diminuir os custos”.
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Planejamento com calma
Há quase dois anos Rita Silva se organiza para passar um tempo em terras lusitanas: Portugal. Ela conta que escolheu esse destino porque uma amiga fez o mesmo e vive lá há alguns anos.
“Inicialmente essa amiga foi como turista e conseguiu um emprego e o visto de trabalho em seguida. Eu espero conseguir rápido, já que vou ter residência garantida com ela, que é uma das exigências, além do emprego”.
Ela, que pretende morar em Lisboa, pesquisou sobre os documentos necessários, sobre a cidade escolhida e os gastos que vai ter: “eu já sei quanto vou precisar gastar com contas fixas como água, internet, luz e alimentação. Agora estou na fase de economizar para conseguir levar uma quantia que não precise me preocupar no início”.
É importante saber que há cidades no interior de Portugal onde os gastos diminuem, a exemplo de Braga – a 3h30 de carro da capital Lisboa – e Faro – a 2h40.
Independente do momento político do Brasil ou suas razões para sair do país, é necessário estudar o destino e planejar estrategicamente a mudança para a chance de sucesso ser maior.