O estudo “Retrato da Paternidade no Brasil”, com resultados divulgados em 2022, analisou como o papel de pai tem mudado nos últimos anos. Para isso, foram entrevistados homens das classes A, B e C com filhos de 5 a 15 anos, de todas as regiões do país. Participaram pais de 25 a 55 anos e a pesquisa revela, entre outras coisas, que aquela figura tradicional de pai sério e distante, aos poucos, está ficando para trás. Essa mudança de comportamento, em muitas famílias, foi acelerada pela pandemia e pelo isolamento social, quando finalmente muitos homens tiveram a chance e se permitiram acompanhar mais de perto o crescimento dos pequenos.
A pesquisa descobriu, por exemplo, que 90% dos homens acreditam que os cuidados diários com as crianças devem ser igualmente divididos entre os responsáveis, mas quando questionados sobre a forma como acompanham o desenvolvimento das crianças, apenas 50% dos entrevistados se consideram ‘participativos’ na rotina dos filhos e só 56% acreditam ser ‘ótimos pais’.
Essa mudança na forma de se viver a paternidade impacta também na forma como a Justiça encara os direitos e deveres dos pais. Muito se fala das obrigações dos pais perante os filhos, mas também existem diversos direitos que, na prática, muitas vezes são desconhecidos, ao menos em parte, e até desrespeitados por causa de conflitos familiares.
O advogado André Andrade, especialista em Direito de Família, Sucessões e Planejamento Sucessório, fala sobre as várias questões relacionadas a paternidade no Brasil
Primeiramente, é importante lembrar que apesar dos pais efetivamente terem uma série de direitos, as normas no Direito de Família no Brasil são sempre focadas na perspectiva da criança e do adolescente, no sentido de preservar o seu melhor interesse. Ao mesmo tempo, essas normas fixam direitos para os genitores, dentre os quais posso citar os direitos à guarda, à convivência, ao pagamento da pensão conforme a possibilidade econômica, ao reconhecimento de paternidade e ao vínculo parental.
Direito à Guarda
Diferente do que muitas pessoas pensam, a guarda não é a divisão de tempo ou “quem fica com a criança”, a guarda tem a ver com a atribuição de cuidar, manter a vigilância e tomar as decisões sobre os filhos.
Pela lei brasileira a guarda compartilhada é a regra geral, só sendo afastada em casos nos quais se prove que efetivamente não é a melhor opção para o caso. Dessa forma, mesmo que o pai, conforme a divisão de tempo de convivência, veja os filhos apenas em finais de semana alternados, sendo a guarda compartilhada, ele deve participar igualmente em todas as decisões da vida dos filhos, como em que escola ele/ela irá estudar, questões de educação e atividades extras por exemplo.
O chamado domicílio de referência, onde a criança passa muitas vezes a maior parte do tempo, também deve ser escolhido tendo como base o melhor interesse da criança e do adolescente, podendo inclusive ser alterado com o passar do tempo ou das situações, do materno para o paterno ou vice-versa.
Mesmo em casos onde existe uma guarda unilateral em favor da mãe, o pai, apesar de não ter os mesmos direitos e poder de decisão, pode sim supervisionar as decisões em relação à criança e bem como, a menos que o juiz assim determine (o que ocorre apenas em casos extremos) possui o direito de convivência com o filho(a).
Direito de Convivência
O direito à convivência, diferentemente do que muitos pensam, não depende do regime de guarda adotado. O próprio Código Civil estabelece, em seu art. 1.589, que, nos casos em que o pai não possuir a guarda da criança (ou seja, na guarda unilateral materna), o genitor poderá ter consigo os filhos, bem como fiscalizar questões relativas à criança, a exemplo da educação e saúde.
Outra questão importante é que o pai não tem direito simplesmente à visitação, mas sim direito de convivência familiar. A diferença entre ambos é, basicamente, que o primeiro se limita às visitas do pai ao menor de forma periódica, enquanto o segundo é muito mais amplo. O direito de convivência permite que o pai não apenas visite o filho(a) nos dias agendados, mas efetivamente participe ativamente de sua criação.
Logo, o pai tem o direito conferido pelo ordenamento jurídico brasileiro de conviver integralmente com seu filho, não podendo haver impeditivos para isso, independentemente de não possuir a guarda da criança – salvo, é claro, nos casos em que a convivência com o pai é prejudicial à própria criança, devendo haver decisão judicial afastando ou limitando a convivência.
Os termos da convivência é que podem ser estabelecidos caso a caso. A convivência pode se dar com uma divisão de tempo mais igualitária entre o pai e a mãe (por exemplo, dias alternados na semana entre os genitores), assim como pode ser feita em outros termos, de forma mais espaçada (a exemplo do pai que fica com a criança a cada 15 dias). Isso depende da rotina do menor e do que ficou acordado entre os genitores – ou, se for o caso, do que foi estabelecido judicialmente.
É importante lembrar também destacar que o direito de convivência não depende da pensão alimentícia: se o pai está em dívida com o pagamento da pensão, isso em nada afeta ou diminui o seu direito de convivência com seu filho(a).
Nos casos de descumprimento do direito de convivência ou de prejuízos ao pai no exercício desse direito, ele poderá ingressar com Ação de Modificação de Guarda e/ou Ação de Regulamentação de Visitas (processos estes que, apesar de usarem o termo “visitas”, servem para fixar a convivência com o genitor). Vale notar que o juiz pode inclusive estabelecer multa para o caso de outros familiares impedirem ou dificultarem esse direito do pai.
Direito de pagar pensão alimentícia de acordo com sua possibilidade econômica
A pensão alimentícia é, basicamente, o valor mensal arbitrado para que o pai ou a mãe auxilie nas despesas do filho. Esse valor segue o binômio necessidade de quem recebe os alimentos x possibilidade de quem os fornece.
Nos casos em que o valor pago pela pensão alimentícia está alto demais para as possibilidades do genitor, ele poderá ingressar com Ação Revisional de Alimentos. Nesta ação, serão discutidas as necessidades da criança para uma vida digna e as possibilidades financeiras do genitor, com decisão do juiz fixando um valor adequado ao caso.
Esse mesmo direito existe para o pai quando o filho(a) completa 18 anos e já se encontra inserido no mercado de trabalho, podendo o genitor ajuizar um processo para ser eximido da obrigação alimentícia ou quando completa 25 anos no caso de continuidade dos estudos.
Além disso, o pai tem direito de pedir informações sobre as despesas da criança e para onde está sendo destinado o valor que é pago pela pensão alimentícia. Se verificar alguma inconsistência ou desvio do dinheiro que deveria ser usado em favor do filho, o pai poderá demandar judicialmente.
Por fim, caso o pai também pode requerer a pensão representando o filho(a), caso seja o responsável direto por ele(a) e pelo pagamentos dos gastos gerais, em especial no caso do domicílio de referência da criança ser o paterno.
Direito de reconhecimento de paternidade
O reconhecimento da paternidade pode ser feito espontaneamente pelo pai, pois é um direito dele. Para isso, basta que o mesmo vá a qualquer Cartório de Registro Civil, levando consigo os documentos pessoais da criança, inclusive a certidão de nascimento sem a paternidade reconhecida.
Pode ocorrer também de a paternidade ser reconhecida por socioafetividade, que são os casos em que um padrasto, um tio ou alguém com vínculo de proximidade e afetividade com o menor o reconhece como filho.
Nos casos em que já houver a paternidade reconhecida por socioafetividade e existe um genitor alegando ser pai do menor, também é direito do mesmo ter sua paternidade reconhecida – deve ser feito, então, um exame de DNA para averiguar a paternidade sanguínea; se confirmada esta paternidade, a criança passa a ter o nome de ambos os pais na certidão de nascimento (é o que se chama de multiparentalidade).
Cabe lembrar que, como o reconhecimento da paternidade é um direito dos pais, aquele que já havia registrado o menor também tem o direito de manter o seu nome na certidão de nascimento da criança, ainda que tenha se descoberto o pai biológico. Nesse caso, o nome do pai socioafetivo somente é substituído se ele próprio desejar remover o seu nome dos documentos, o que também privilegia o melhor interesse da criança em conviver com sua família de forma completa.
Direito de manter o vínculo parental
Por fim, o pai também tem direito de manter com seu filho o vínculo parental, sem influências de qualquer outra pessoa nessa relação.
Nesse sentido, a Lei nº 12.318/2010 dispõe sobre a alienação parental, definindo essa prática como atos de “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente”.
Em situações nas quais os pais são divorciados e não mantêm entre si uma boa relação, essa prática vem acontecendo bastante, mas a Lei também determina que, quando verificada a alienação parental, o Ministério Público poderá ser acionado para intervir em favor da criança ou do adolescente; nesse caso, pode haver a aplicação de medidas provisórias para fazer cessar a prática da alienação parental, assegurando que a criança mantenha seu vínculo com o genitor sem interferência de outros parentes.
Nesses casos, se, por exemplo, a pessoa que pratica a alienação parental for a mãe da criança em desfavor do pai, pode haver decisão judicial no sentido de a genitora perder tal guarda e o pai passar a exercer a guarda unilateral. Tudo vai depender das circunstâncias do caso.
Sobre André Andrade
Advogado, inscrito na OAB/BA 65.674, bacharel pela Universidade Federal da Bahia, pós-graduado em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil pela EBRADI, em parceria com ESA-SP, membro associado da Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC) e mestrando em Família na Sociedade Contemporânea na UCSAL. Atualmente é sócio proprietário do André Andrade Advocacia & Consultoria, escritório especializado no Direito das Famílias, Sucessões e Planejamento Sucessório, atuando também nas mais diversas áreas através de parceiros especializados. Contato: @advogadoandreandrade / 71 99976-8547