Quarta-feira, 18 de outubro, dia do médico. Às 4h30 da manhã, Hosmany Ramos, de 71 anos, se levanta, liga o computador e começa a escrever mais um capítulo de sua nova obra. Após quase duas horas de dedicação às atividades literárias, o médico troca de roupa e faz um breve aquecimento no jardim da casa em que vive com a mãe Anésia, de 86 anos, em Palmas, capital de Tocantins. Na academia ao ar livre da praça da Quadra 108 Sul, o cirurgião plástico pratica mais 40 minutos de exercícios aeróbicos. Depois, volta para casa, toma banho e vai ao encontro de seus pacientes na clínica em que atende, localizada em frente ao Palácio do Araguaia. Após 36 anos, ele pode comemorar em liberdade e de jaleco branco o dia da profissão que o tornou famoso. O médico que virou notícia na década de 1980 por uma série de crimes agora dá início de uma nova vida no Brasil. “Hoje me considero feliz, a liberdade é o maior bem que o ser humano possui”, disse à ISTOÉ.
A trajetória de Hosmany surpreende a todos que o conhecem. Assistente de Ivo Pitanguy, um dos maiores cirurgiões plásticos do mundo, ele foi condenado por tráfico internacional de drogas, sequestros, roubo de veículos e aviões, assassinatos e acusado de mais de dez tentativas de fuga durante o tempo em que esteve na prisão. Em setembro de 2016, obteve do Tribunal de Justiça de São Paulo o alvará de soltura. “Sou um cidadão completamente livre, não devo mais nada à Justiça”, diz.
O médico quer agora fazer cirurgias plásticas em portadores de Hanseníase e já deixou seu currículo no Hospital Geral de Palmas. “Aqui muitos profissionais têm medo de fazer essas operações.” Além de voltar à medicina, Hosmany tem se dedicado às atividades literárias. Ainda nos anos de prisão ele começou a escrever sua autobiografia. “A prisão é muito brutal, muito material se perdeu. Eles entravam e levavam todos os manuscritos”, diz. Além do livro “Meu Grito”, que deve ser publicado em janeiro, o cirurgião revela o tema de sua próxima obra: “Por que quero me tornar político?”. Hosmany afirma que deseja se candidatar a deputado federal ou a senador nas eleições de 2018. “Os mais próximos me consideram uma espécie de Nelson Mandela brasileiro, que é meu ídolo, e acredito que todos têm o direito de recomeçar”, afirma. “Vou ter meu índice de rejeição, mas também terei apoio.” Segundo ele, suas principais bandeiras serão mudanças no sistema político, judiciário e carcerário.
Nascido na cidade de Jacinto, em Minas Gerais, em 1946, Osmane Ramos chegou ao Rio de Janeiro com 17 anos para estudar medicina. Formado pela Universidade Federal, ele logo começou a trabalhar na equipe de Pitanguy. Já com o nome de Hosmany, ele atendia uma clientela de personalidades importantes e chegou a integrar a Academia Brasileira de Cirurgia Plástica. Em 1981, porém, o rumo de sua vida mudou radicalmente. O cirurgião foi preso por roubo de carros e aviões, tráfico, sequestros e homicídios. Segundo a Promotoria de Justiça de Araçatuba, o assassinato de seu piloto Joel Avon foi considerado “queima de arquivo”. “O acusado o eliminou para assegurar a impunidade dos crimes que vinha praticando, que eram de conhecimento da vítima”, diz o documento do Ministério Público de São Paulo. Segundo o órgão, já preso, Hosmany também arquitetou o sequestro da filha de um juiz de Caçapava para obter sua soltura e de outros condenados. O médico foi condenado a 46 anos e 11 meses de prisão. Durante esse período, ele orquestrou muitas tentativas de fuga. Em 1996, deixou o Instituto Penal Agrícola de Bauru. Um mês depois, foi recapturado ao participar do sequestro do fazendeiro Ricardo Carvalho Rennó, em Santa Rita do Sapucaí, Minas Gerais.
Da Revista Istoé/ Fabíola Perez