“As milícias se apressaram em preencher o vazio deixado pelo Estado.” É assim que um relatório da Anistia Internacional, entidade que defende os direitos humanos em todo o mundo, define a ação de grupos organizados e armados que controlam algumas comunidades no Rio de Janeiro.
A morte da vereadora Marielle Franco (Psol) na noite desta quarta-feira (15) acabou voltando a atenção para esses grupos criminosos, já que sua morte pode ter sido uma ação reação de milicianos — nenhuma hipótese está descartada pela Polícia Civil.
Marielle foi assessora do deputado estadual Marcelo Freixo, do mesmo partido, durante o período da CPI das Milícias e, como militante dos direitos humanos, criticava a ação de milícias e policiais nas comunidades do Rio de Janeiro.
A força desses grupos criminosos já havia provocado a morte de ao menos 15 candidatos nas eleições de 2016 na região da Baixada Fluminense. Segundo a Polícia Civil, os milicianos mataram quem estaria “incomodando” candidatos apoiados por eles.
A Anistia Internacional diz que “estes grupos são compostos de policiais e bombeiros” e controlam essas comunidades por meio de extorsão. Pesquisadores do assunto afirmam que as milícias são antigas, existem no Rio desde a década de 1970, mas que no fim dos anos 1990 é que elas ganharam força e começaram a se expandir pela cidade. Em 2008, por exemplo, 40% das 965 favelas no Rio estavam dominadas por milícias.
O discurso básico dos milicianos é proteção com ameaça. Os moradores de áreas dominadas por milícias devem respeitar regras e condições impostas por esses grupos, em troca de segurança. Quem desrespeita pode ser punido —até mesmo com a vida.
Entre essas regras estão “a venda do serviço de segurança, tais como a cobrança de taxas das cooperativas de transporte alternativo, a venda inflacionada de botijão de gás, a venda do gatonet (sinal pirata de TV a cabo), a cobrança de pedágios e de tarifa para proteção”, relata um estudo do Nupevi (Núcleo de Pesquisa das Violências) da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
“Aqui na comunidade precisamos comprar a água e o gás de quem a milícia indica, comprar de outros é perigoso e pode custar muito caro”, relata o morador de uma comunidade na zona norte do Rio dominada por milicianos.
O estudo afirma ainda que no começo as ações desses grupos eram bem recebidas pela população, mas, com o tempo, acabaram se igualando ao problema de regiões com forte atuação de traficantes, com casos de assassinatos, extorsões cada vez intensas e regras que começaram a se expandir para a esfera política e até religiosa.
No fim da década de 1990, já com uma forte presença das milícias em várias comunidades do Rio, ainda segundo estudo do Nupevi, os milicianos começaram a explorar a força de domínio nestes locais para potencializar líderes comunitários e, posteriormente, políticos. Entre 1996 e 2008, as milícias chegaram a promover candidatos principalmente nas esferas municipais e estaduais.
Essa atuação destes grupos criminosos acabou resultando, em 2008, em uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar a atuação de milicianos no Estado do Rio de Janeiro. A CPI foi considerada um marco na luta contra o crime organizado e sua articulação com o poder público e em seu relatório final e pediu o indiciamento de mais de 200 políticos, policiais, agentes penitenciários, bombeiros e civis.
O presidente da CPI, Marcelo Freixo, chegou a ser retratado no filme “Tropa de Elite 2”, que em suas cenas finais dá a dimensão da criação de vínculos do crime com políticos no Rio de Janeiro. Por conta de sua atuação, Freixo, ameaçado de morte, precisou viver fora do país, e a contar com escolta de segurança. O Senado aprovou nesta quarta-feira (28) o projeto de lei que transfere à PF (Polícia Federal) a investigação de crimes praticados por organizações paramilitares.
O Senado Federal havia aprovado em fevereiro um projeto de lei que transfere à PF (Polícia Federal) a investigação de crimes praticados por organizações paramilitares, as mílicias. A proposta ainda precisa ser apreciada pela Câmara dos Deputados para que vire lei.
Se aprovada pelos deputados, caberá à PF a responsabilidade por investigar os crimes cometidos por milícia armada integrada por membro de órgão de segurança estadual.
O relator da matéria, senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), defendeu a responsabilidade dos policiais federais para apurar os crimes, já que, se fossem investigados pelas autoridades locais nos casos do envolvimento dos próprios membros de batalhão de polícia, poderiam ficar impunes.
O projeto faz parte de um esforço para aprovar medidas na área de segurança que causem impacto positivo na população. O anúncio da agenda foi feito no início de fevereiro pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), antes do anúncio da intervenção federal no Rio de Janeiro, argumentando que os índices de violência têm aumentado cada vez mais.
R7